Não é possível governar sem concessões. No Brasil, os partidos de esquerda não reúnem nem 30% dos congressistas. Um Governo como o do presidente Lula, se quiser sobrevier, precisará atrair grupos de centro, e até de direita. Em ultima instância, isto significou livrar Sarney de ter que dar explicações sobre as graves denúncias que pesam contra ele. O comportamento do PT no Conselho de Ética conquista definitivamente o PMDB. Isto terá reflexo não apenas sobre o atual mandato presidencial, mas também sobre as eleições de 2010. Nunca pisei em Brasília, mas acho impossível que as negociações dos últimos dias entre os PMDBistas e o Planalto, acerca do destino de Sarney no Conselho de Ética, não tenham passado pela candidatura Dilma. E, para uma candidata desconhecida, dispor da capilaridade do maior partido brasileiro é vital. Há muito em jogo! A disputa é pelos recursos da nação. Talvez, o Governo Lula precisou fazer um sacrifício histórico. Talvez, as alianças escusas que Lula precisa fazer hoje sejam necessárias para demonstrar a viabilidade e a eficácia de um Governo de esquerda.
Pode ser que estes acordos, que fortalecem o Governo Federal, sirvam para fortalecer também a esquerda brasileira, de maneira geral. Embalados com o sucesso do presidente petista, grupos políticos comprometidos com as classes mais pobres poderão aumentar sua representação no parlamento. Com isso, pode ser que um próximo Governo esquerdista encontre um parlamento ideologicamente mais próximo, e não precise fazer alianças tão dramáticas. Algo como o que acontece nos Estados Unidos, em que tanto a esquerda quando a direita estão sempre bem representadas no Congresso. Um presidente americano tem sempre um índice razoável de apoio no legislativo. Ou seja, é possível que Lula esteja pagando um preço histórico, para garantir a viabilidade, não apenas da candidatura Dilma, mas da esquerda como um todo no poder. São especulações razoáveis. Com algum esforço, consigo entender tudo isto. Mas, por enquanto, são apenas especulações. O que temos de concreto hoje é uma forte ruptura do Governo com preceitos éticos.
Sarney deve satisfações à sociedade, as acusações feitas contra ele não são “invenções da mídia” (ainda que esta tenha seus interesses políticos), não é possível que toda crítica que se faça ao governo seja suprimida com o discurso de que estão tentando antecipar 2010. É claro que muitos estão! Muita gente tem interesse em ver o Governo desgastado para a próxima disputa presidencial, evidente. Mas isso não pode impedir a averiguação dos fatos e das denúncias! É inaceitável que todas as representações contra Sarney (ou contra qualquer senador) sejam arquivadas! Afinal, estamos falando do dinheiro de todos nós brasileiros. Não se pode aceitar nada que não seja o mais absoluto rigor, transparência, fiscalização e esclarecimento. Portanto, qual a minha posição? Penso que era o caso de dispensar o apoio do PMDB e enfrentar as urnas com o mínimo de coerência preservada, e outros aliados mais tradicionais. Tenho perfeita consciência de que, a essa altura, falar é fácil. Fazer é quase impossível. Mas uma coisa é ir os anéis, outra coisa é ir os dedos, a mão, o braço, o corpo todo.
Só não dá pra entender essas pessoas que cobram coerência e purismo do PT, indignam-se porque o PT trai seus princípios, alardeiam que o PT ficou igual a todos os outros, por isso não cogitam sob hipótese alguma votar em um petista, mas não vêem problema algum em votar “nos outros”. A cobertura jornalística cria um ambiente que sugere exatamente este esquema interpretativo: o PT representa o voto corrupto, os outros representam o voto ético. Ainda que o DEM seja diretamente responsável por todos os desmandos que poluíram o Senado, ainda que senadores do DEM, Heráclito Fortes e ACM Júnior, tenham fugido da votação no Conselho de Ética, para não serem publicamente responsabilizados, não importa. Afinal, é o PT o “fiel da balança”. É sobre o PT e os outros aliados do Governo Lula que recai toda a responsabilidade pela lama do parlamento brasileiro. O Arnaldo Jabor vem à TV para dizer que é “esta turma do PT e do PMDB” quem está desmoralizando a verdade e até a mentira. Como sempre, os jornais precisam apontar como responsáveis cabais, o PT e o Lula.
Desta maneira, em uma eleição altamente polarizada, Serra – o candidato tucano – torna-se automaticamente o candidato limpo, decente, ético. Ainda que o Governador paulista também tenha o PMDB como aliado em seu estado. Aliás, qual chefe do executivo pode prescindir do apoio do PMDB neste país? Pouquíssimos. Contamos nos dedos. E, no caso de Serra, a situação não é mais amena que a de Lula. Serra está de braços dados com Orestes Quércia, uma figura não menos obscura que José Sarney. Para garantir o apoio PMDBista a Kassab, nas eleições municipais do ano passado, Serra prometeu a Quércia uma das candidatura ao Senado, na chapa tucana de 2010. Quércia, do mesmíssimo PMDB, quando foi governador, era combatido pelos tucanos e hoje percorre o Brasil para conquistar apoio ao presidenciável do PSDB. Nada disso justifica o que fez o PT no Conselho de Ética no Senado. Mas, se quiserem tratar o problema na base dos éticos versus não-éticos, é bom saber que o buraco é mais embaixo. Quem fará os julgamentos será o povo. E é sempre a população mesmo quem tem os melhores critérios e balizadores para avaliar as opções dos governantes.
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