domingo, 19 de abril de 2009
''Política é um troço chato, mas necessário'' MV Bil
Quando suas letras saíram dos limites da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, o rapper MV Bill já sabia que sua pregação social não ficaria restrita à sua música. Aos 35 anos, Alex Pereira Barbosa ainda mora naquela favela, mas o MV Bill percorre a periferia de todo o País. Na esteira da natureza política do hip-hop, documentou a atração de jovens pobres para o crime e, com o parceiro Celso Athayde, fundou a Central Única das Favelas (Cufa), mas nunca havia cogitado inscrever seu nome numa urna.
A aversão ao sistema político começou a ruir no mês passado, quando Caetano Veloso, num show na Cidade de Deus, sugeriu que Bill virasse senador. O que pareceu uma brincadeira ganhou a adesão de jovens da rede de comunidades da Cufa, que contratou uma pesquisa. Das 1.100 pessoas ouvidas no Rio, 23% votariam nele para senador. Entre os eleitores de até 24 anos, o porcentual seria de 37%.
Em entrevista, o rapper admite que a repercussão "balançou" suas certezas, mas esbarra na necessidade de uma legenda. Com um sentimento que cresce principalmente na juventude, mesmo com mais informação disponível em fontes como a internet, ele não se identifica com partido algum. Além do PT, com quem tem experimentado o palanque em eventos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), PC do B e outras siglas já o sondaram, mas ele vê em todas os vícios de um modelo em que não acredita.
Caetano defendeu seu nome para o Senado. De onde vem essa ideia?
Foi uma maluquice do Caetano, fiquei até constrangido no palco. Nunca tive pretensões políticas. Ao contrário. Sempre dei declarações me mostrando mais à vontade na forma apartidária, com liberdade e sem rabo preso, para falar o que quero e penso. Porém, quando a Cufa faz uma pesquisa e estima 2 milhões de pessoas, a maioria de jovens, apoiando uma candidatura que nem sequer existe, isso me faz rever posições. Ainda não mudei de opinião, mas deu uma balançada.
Para ser candidato é preciso ter um partido. Você tem filiação?
Não tenho. Não consigo enxergar um partido mais próximo do povo, talvez consiga enxergar o menos distante. Não tenho identificação ideológica. Recebi convites de alguns partidos, que prefiro não citar, mas não pensei ainda numa sigla que possa representar.
O leque partidário é confuso para quem quer influenciar na política?
É parecido com o futebol. O jogador chega no time, põe uniforme, beija escudo e depois vai embora. Tira a crença do torcedor. Na política, fazem juras de amor aos princípios do partido e depois muitos eleitos trocam de sigla. Essa infidelidade, a imunidade que alguns têm quando cometem algum crime, alguma parada ligada à corrupção, isso acaba tirando a crença no coletivo.
Existe a ideia de que classes populares não se interessam por política. Vê isso na periferia?
Muitas pessoas acabaram despertando para a importância da política. Mesmo que a gente não queira se envolver, indiretamente ela interfere na nossa vida. Concordo que política é um troço chato, mas infelizmente é uma necessidade. Hoje vejo muitos jovens entendendo que o fato de não ter os mesmos direitos de quem mora na zona sul carioca é uma questão política. A mãe dele acordar de madrugada para tentar vaga num colégio público para o filho é uma situação política. E, quando o jovem descobre, busca formas de ser participativo, mas sem se ligar a algum partido ou político. A política atual, que usa a internet, permite que você milite, seja participativo, mas sem partido.
Essa juventude que usa internet em busca de um "apartidarismo" foi localizada na classe média. Também está nas favelas?
Tem a explosão da internet nas comunidades, principalmente nas lan houses. A maioria usa para sites de relacionamento, mas tem um lado que cresce, fomentado pelos movimentos sociais, que é o uso da internet como instrumento de trabalho, inclusão e informação. Há uma organização política de jovens acontecendo nas favelas que consegue enxergar os efeitos da política. A internet circula a informação de forma muito rápida. Essa força acaba motivando, porque não é possível ficar alheio. Até quem quer ficar de fora é influenciado.
Se, mesmo mais politizados, os jovens não se identificam com partidos, é daí que vem a ideia de um representante sem intermediários? Isso é possível ou é preciso se adaptar ao modelo partidário atual?
Eu não sou a salvação. Se me candidatasse e fosse eleito, não iria salvar nada. Eu teria de ficar brigando com um modelo de que discordo. Porém acho que há um anseio muito grande de ver novas caras, novas ideias, substituir aquele palavreado viciado que parece se perpetuar no Congresso e nas outras esferas governamentais.
Lula diz admirá-lo. Ele o convidou para entrar na política?
Mesmo antes de o Caetano dar essa declaração, ele já tinha elogiado a forma politizada como trato determinados assuntos. Perguntou umas quatro vezes se eu tinha pretensões políticas. Sempre respondi que não, que minha forma de lutar politicamente já é essa, de forma apartidária. Pensar mesmo numa candidatura ainda me deixa com o pé atrás.
Em 2006, você recebeu Lula na Cidade de Deus, o que foi interpretado como um apoio à reeleição. Como avalia hoje o governo dele?
Não foi apoio. Fizemos o mesmo com (Geraldo) Alckmin (PSDB) semanas depois. Estávamos a fim de dialogar com quem fosse eleito. Queremos atenção, não que tudo seja resolvido de uma hora para a outra. Os esforços do governo Lula têm de ser reconhecidos, embora alguns acabem demonstrando ineficácia, outros mostrem que é preciso algo muito maior. Mas a boa intenção eu reconheço. Avalio o governo de regular a bom, tendo em vista minhas expectativas que depararam com decepções depois de ver um governo cheio de corrupção. Também causa decepção quando chega a crise e gastos desnecessários não são cortados, mas talvez aconteça com programas legais como o Pronasci. Então há esses dois lados do governo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário