Por Crapúla Mor
Esta semana, o Congresso começou a negociar pontos da famigerada Reforma Política. Entraram em discussão as propostas de fidelidade partidária, financiamento público de campanha e voto em lista para os cargos legislativos. A última proposta tem o apoio do PMDB, do DEM, do PT e de parte do PSDB, as quatro maiores bancadas do Congresso, dentre outras legendas menores, como o PC do B. Apesar disso, é possível que o voto em lista não seja aprovado, dadas as fortes resistências na própria Câmara e na sociedade. Na verdade, a grande maioria das pessoas não está a par deste debate, e por isso não conhece sequer razoavelmente os possíveis benefícios ou prejuízos que podem advir desta mudança na lei eleitoral. Na Imprensa, tem gente radicalmente contra e alguns mais simpáticos à idéia. Pessoalmente, torço muito para a aprovação dos três itens: confirmação e regulamentação da fidelidade partidária (já estabelecida pelo STF), financiamento público de campanha e voto no partido.
Antes de explicar porque sou totalmente favorável à proposta de mudança, preciso dizer o que condeno na forma como as coisas acontecem hoje. Acredito que o principal problema da Democracia brasileira está no fato de votarmos em pessoas, e não em projetos. Acredito que isto seja o resultado de uma história política que, no Brasil, é marcadamente paternalista e personalista. Estamos sempre à espera de um messias, um pai, uma figura divina, que assumirá o poder e, sozinho, resolverá todos os nossos problemas, em todas as áreas: educação, saúde, segurança, saneamento, infra-estrutura, emprego etc. Como se isso fosse possível em um Regime com 3 poderes instituídos, e como se política não fosse praticada coletivamente. A política é necessariamente coletiva! Não apenas porque todo governante precisa de uma equipe, mas porque, na Democracia, é preciso dialogar com aqueles que não foram eleitos, compor com as diferentes forças políticas, negociar as ações etc. Mais de 30 anos depois da redemocratização, ainda votamos – e nos orgulhamos de votar – em pessoas, e não em projetos políticos.
Enquanto os brasileiros não aprenderem a votar em projetos, em idéias, em posicionamentos, em convicções, em programas, em conteúdos, estejam certos, não iremos muito longe. Aí você pode rebater “mas partido, no Brasil, não quer dizer nada! Não passa de uma sigla”. E você estará certo (a), em termos. Partidos como o PMBD, PTB, PP, de fato, não representam absolutamente nada! É cada um por si, e o todo que se dane! Entretanto, partidos como o PT, o PSDB, o DEM, o PSOL, o PSB, o PDT, dentre outros, têm sim um núcleo comum de idéias que representam o conjunto do partido. É claro que, em nenhuma dessas legendas, todos os integrantes pensam exatamente igual em todos os assuntos, mas há uma convergência de pensamentos, uma identidade ideológica, concepções políticas que reúnem os filiados. Recentemente, escrevi sobre um exemplo de partido bem resolvido ideologicamente. O que é preciso, muitas vezes, é comunicar com maior clareza, nos horários eleitorais, qual é esta identidade. Para que, tanto o eleitor, quanto todos os filiados conheçam as propostas do partido.
Os adversários do voto em lista, como o deputado Mendes Thame, do PSDB de São Paulo, alegam que com o voto em lista aumenta a distância entre o eleitor e o parlamentar, o que piora a representação política. O deputado Miro Teixeira (que concluiu a matéria do JN sobre o tema) acredita que o povo brasileiro não deve abrir mão do direito de escolher diretamente seu deputado. Ora, por favor... A grande maioria dos eleitores brasileiros SEQUER LEMBRA em quem votou para os cargos legislativos poucos meses depois da eleição. E olha que, hoje, o voto é uninominal! Não tem como a distância entre o representado e o representante ser maior do que já é. “Proximidade com o parlamentar” é um belo de um engodo. Ou, por acaso, a gente vira amigo íntimo e troca confidências com candidato depois que vota nele? Certamente, não. Mesmo porque o cidadão não tem que ser próximo da pessoa do deputado, meu Deus! Tem que ser próximo DAS IDÉIAS do deputado! Por isso mesmo, é menos importante se o meu representante é o fulano ou o beltrano; muito mais importantes são as idéias que eles estão defendendo.
Já para Lucia Hippolito, com o voto em lista fechada, “fortalece-se o poder dos caciques partidários [...] os bons deputados servirão de biombo para todo tipo de meliante que se candidata”. Os caciques partidários, o que há de pior na política brasileira, infelizmente, não precisam de biombo, nem se esconder em lista. Eles se elegem com toda a facilidade. Quem foi o deputado federal que recebeu mais votos em São Paulo (e no país)? Paulo Salim Maluf! No Pará, Jader Barbalho foi o campeão de votos. Na Bahia, foi o herdeiro do Carlismo, ACM Neto. Em Minas, o deputado do Castelo foi o terceiro mais votado, com uma diferença de 1% para o primeiro colocado. A trágica realidade é que nós precisamos levantar as mãos pros céus e agradecer quando estes caciques candidatam-se à Câmara Federal, pior é quando viram Governadores ou vão para o Senado. Vejam os casos de Renan e Collor, em Alagoas. Sarney, no Maranhão E no Amapá. Orestes Quércia será candidato ao senado por São Paulo. Roriz continua fortíssimo em Brasília para qualquer cargo majoritário, mesmo depois da renúncia para escapar da cassação. E César Maia, com toda a rejeição que carrega, elegeria-se deputado federal com toda a facilidade, e ainda puxaria uma bela bancada, pelo RJ. É essa gente que vai se esconder nas listas, que precisa de "biombos"?!
A Reforma Política e a implantação do voto em lista vão mudar todo o atual cenário eleitoral e, do dia para a noite, introduzir uma cultura partidária e ideológica na sociedade brasileira? Não, evidente que não. Assim como a criminalização do aborto e da maconha não impendem que mulheres interrompam suas gestações e que jovens consumam drogas em todas as classes sociais. A pergunta que devemos responder é a seguinte: que tipo de Democracia nós queremos? Uma que esteja baseada em personalidades e messias, ou uma que esteja ancorada em projetos e idéias? O modelo de votação para o legislativo deve refletir esta resposta... Vejam os Estados Unidos, por exemplo. Mesmo que você não tenha idéia de quem são os candidatos em uma determinada eleição, a simples informação de a qual partido eles pertencem (Republicanos ou Democratas) já revela pelo menos 50% do perfil do candidato. Ninguém precisa inventar a pólvora. As questões estão dadas, os posicionamentos também. É muito mais inteligente e viável reunir pessoas que pensam de maneira parecida para que elas possam, por meio da política, colocar estas idéias em prática. É exatamente esta a função do partido! No Brasil, ela é sabotada.
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